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Balões Gástricos na Obesidade

A obesidade, a qual, não solitariamente, considero, sem minimizar a relevância das demais, a principal doença do século, possui distintas opções terapêuticas: desde opções não invasivas, denominadas mudanças no estilo de vida a muito invasivas, como os procedimentos cirúrgicos.


Na vanguarda do combate à obesidade, encontramos os balões gástricos. Esses dispositivos, conhecidos como IGBs na terminologia inglesa, são estrategicamente introduzidos no estômago. Sua função primordial é diminuir a capacidade de armazenamento de alimentos do órgão. Com uma diversidade de tipos disponíveis, esses balões tendem a promover uma redução na ingestão calórica, desencadeando uma consequente perda de peso.


Diferentemente dos extremos do fanatismo e ceticismo absoluto de seus comentadores prévios, levantarei aqui os principais (não todos, evidentemente) pontos à respeito do tema.


Percebe-se logo no início de sua história que os IGBs enfrentariam grandes problemas. Apenas em 1985, alguns anos após o primeiro desenho, os Estados Unidos aprovam o primeiro IGB, com o nome de Garren-Edwards Gastric Bubble, desenhado pelo pelo casal de gastroenterologistas Lloyd e Mary Garren e fabricado pela American Edwards Laboratories of Santa Ana. Entretanto, somando-se à enorme insatisfação dos resultados, os elevados números de complicações e recidiva levaram, em 1988, a interrupção da produção do dispositivo e consequente retirada do mercado 4 anos mais tarde [1].


Em 1991, porém, foi desenvolvido o balão que hoje chamamos de Orbera, uma tecnologia que implementada rapidamente em países da América do Sul, Europa, Ásia e Oriente Médio, mas impedida nos EUA e Canadá até o ano de 2015 quando, enfim, teve sua aprovação pelo Food and Drug Administration (FDA). Desde então, quatro outros balões foram aprovados, a saber Reshape e Obalon [2], Transpyloric Shuttle (TPS) [3] e o Spatz3 [4].


1. Como os Dispositivos Funcionam

Dos mecanismos fisiológicos que justificam, ao menos aparentemente, a perda de peso induzida pela implantação do balão gástrico, destacam-se quatro:


1- diminuição do espaço gástrico;

2- distensão da parede gástrica;

3- alteração da concentração de grelina;

4- retardamento do esvaziamento gástrico.


Indubitavelmente, o mais óbvio desses fatores fisiológicos é a redução do espaço gástrico. Ora, se um dispositivo é inserido no estômago e ocupa parte do seu espaço interno, é evidente que haverá menos espaço para os alimentos. Assim, a tendência é que o indivíduo com o balão implantado seja capaz de ingerir menor quantidade de alimentos [5], o que pode levá-lo à perda de peso.


É também intuitivo pensar que um estômago que é continuamente preenchido por um balão terá um aumento da sensação de saciedade e da redução da fome. Mas como isso se dá fisiologicamente?


Parte do controle da fome e do peso corporal é regulado pelo Eixo Cérebro-Intestino. Tal sistema é alimentado por estímulos mecânicos, como a distensão do estômago, e modulado por fatores hormonais e psicológicos, conhecidos como sistema de recompensa.


A distensão mecânica merece atenção, pois há de se diferenciar em dois tipos: a distensão gástrica causada pelos IGBs e a distensão fisiológica causada pelos alimentos, como demonstrado por Coen [6] . O processo de distensão mecânica causada por um balão inflado é direcionado à região processadora de dor no cérebro, denominada matriz neural da dor visceral. Esta região é regulada negativamente pela infusão de alimentos, o que sugere a necessidade de garantir quantidade suficiente de alimentos apesar da distensão gástrica causada pelo balão. Isso também é capaz de justificar os sintomas apresentados nos primeiros dias após sua implantação.


Quando se trata dos fatores hormonais, a grelina, conhecida como o hormônio da fome, é o principal ator na regulação do peso. No entanto, seu papel na perda de peso induzida por IGBs ainda não foi totalmente esclarecida. Ly [7] e Mion [8] e seus colaboradores mostraram que os efeitos mecânicos da distensão gástrica causada pelo balão reduz o nível de grelina, mas que esse efeito também é dependente da infusão de nutrientes.


Além dos fatores já mencionados, o retardamento do esvaziamento gástrico também se apresenta como um importante mecanismo que induz a perda de peso após a inserção do IGB. Assim, o estômago, ao ser preenchido pelo balão terá a passagem do alimento retardada ao duodeno, aumentando assim a saciedade (intervalo entre as refeições).


2. Dos Dispositivos e Suas Diferenças

Um ponto interessante a se discutir é sobre os tipos existentes de balões, pois a impressão comumentre atribuída a esse tema é da existência de um tipo de balão, apenas. E aqui vou apontar algumas características pelas quais o tratamento pode diferenciar enormemente. A escolha do tipo mais adequado ao paciente vai depender da avaliação médica, evidentemente [9] e [10].


2.1 Aplicação e remoção

Grande parte dos dispositivos que tem disponíveis no mercado, e a totalidade dos aprovados pelo FDA, necessitam da endoscopia para sua aplicação e/ou remoção. Recentemente, a Allurion criou um dispositivo, nomeado Elipse, o qual é aplicado por meio da deglutição e tem remoção espontânea pela excreção. Esse dispositivo, já disponível no Brasil, ainda não teve sua aprovação pelo FDA.


2.2 Volume

A capacidade de preenchimento dos balões varia de 250 a 900 mL. Outros, ainda, são ajustáveis. Não necessariamente os dispositivos mais volumosos terão melhores resultados.


2.3 Ajustabilidade

Reduzir ou aumentar o volume do dispositivo após sua implantação é uma característica do Spatz. Com efeito, em vista da necessidade do aumento do volume, como numa redução insuficiente de peso, é possível que tal procedimento seja realizado. Por outro lado, em uma situação que haja, por exmeplo, intolerância desencadeada pelos sintomas, o médico assistente pode reduzir o volume do balão.


2.4 Preenchimento

Alguns dispositivos são preenchidos com ar, outros com fluidos. Normalmente, os preenchidos com fluidos, como solução salina, são mais pesados, o que altera tanto os resultados quanto a possibilidade de eventos adversos.


2.5 Formato

Há considerável variedade no formato dos dispositivos. Alguns são ovais, outros em forma de pera, outros, como o TPS, têm formato misto, ultrapassando o estômago até o duodeno.


2.6 Material

Os materiais mais comuns de serem usados são o silicone e o poliuretano. E isso influencia, principalmente, na durabilidade do produto.


2.7 Durabilidade

Os balões costumam durar de 4, como no caso do Elipse, a 12 meses, como o Obera e o Spatz.


2.8 Número de balões

Alguns IGBs permitem a implantação de mais de um balão. No caso do Obalon, por exemplo, pode implantar até 3 balões simultaneamente.


3. Da Sua Eficácia

Devido a variabilidade dos tipos dos dispositivos, expostos anteriormente, consequentemente os resultados têm ampla variação. Para se ter uma ideia, a eficácia dos dispositivos, medida pela porcentagem da perda de peso inicial, varia de 7 a 20%. Uma revisão sistemática publicada em 2017 incluiu 44 estudos, totalizando mais de 5500 pacientes implantados com o Obera, mostrou redução média de 13,2% do peso corporal total dos participantes no período de 6 meses [11].


Apesar de seus resultados modestos na perda de peso durante o uso do balão, muito ainda se discute sobre sua real significância, pois, considerando seus resultados a longo prazo, os dados são conflitantes ao evidenciarem elevadas recidiva e falha terapêutica. Um estudo prospectivo avaliou 100 pacientes e evidenciou reganho de 41% do total do peso perdido um ano após sua retirada [12], além de uma possibilidade de falha em até 40% dos casos, medida pela incapacidade de atingir a meta de perda de peso e retirada precoce do dispositivo [13].


Outro aspecto interessante acerca da eficácia dos IGBs, ao que se pode extrapolar por dados de um dispositivo específico, é da análise segmentar da perda do excesso de peso em relação aos níveis de Índice de Massa Corporal (IMC). Aparentemente, pessoas com sobrepeso ou obesidade grau I (IMC entre 27 e 34,9) respondem melhor ao tratamento quando compado, proporcionalmente, às outras graduações de IMC [14].


4. Indicações

O tratamento com balões intragástricos deveriam ser propostos em um contexto multidisciplinar e somente depois da falha de medidas não invasivas e exclusão de causas genéticas e hormonais da obesidade. Dito isso, deve estar claro ao candidato ao uso do balão que esse tipo de tratamento terá efeito temporário, o que reforça a necessidade das mudanças do estilo de vida, mesmo durante o uso do balão.


Como a obesidade ainda é classificada por meio do IMC, esse é o parâmetro que, normalmente, guia a indicação da implantação do IGB. Inicialmente, os IGBs eram vistos como uma terapia temporária àqueles indivíduos interessados em perder peso e que não entravam na classificação de obesidade mórbida (IMC > 40 Kg/m2), ou que possuíam contraindicação ao procedimento cirúrgico [15]. Mas hoje, dependendo dos consensos das respectivas associações médicas resposáveis, os principais critérios utilizados são o IMC e a presença de doenças relacionadas a obesidade. A saber:


- Indvíduos com IMC entre 27 e 29,9, e portanto classificados com sobrepeso, associado a comorbidades que têm possibilidade de melhorarem com a perda de peso, como diabetes insulino-dependente;

- IMC entre 30 e 34,9, classificação de obesidade grau I, na presença de comorbidades;

- IMC entre 35 e 39,9, ou obesidade grau II, com ou sem comorbidades;

- Indivíduos com obesidade grau III, ou mórbida (IMC acima de 40), como mencionado anteriormente.


Sob um outro aspecto, a discussão adentra o campo pré-operatório, considerando a possibilidade da implantação do IGB antes da realização de um procedimento bariátrico. Em indivíduos com obesidade mórbida, é razoável reduzir o peso antes da intervenção cirúrgica, visando o controle das comorbidades e diminuição do risco cardiovascular.


5. Contraindicações

Algumas condições podem ser impeditivas para a implantação do balão. Essas condições são separadas entre aquelas que sua presença exclui completamente a possibilidade do procedimento - contraindicações absolutas; e aquelas em que, quando presentes, leva o médico avaliador a ponderar sobre os seus potenciais riscos - as chamadas contraindicações relativas.


5.1 - Contraindicações absolutas

São elas: realização de cirurgias gástricas prévias, coagulopatias, doença hepática grave, lesões gástricas sangrantes, gestação, e as circustâncias que contraindiquem a realização da endoscopia.


5.2 - Contraindicações relativas

Dentre as contraindicações relativas, destacam-se: hérnia hiatal, doença intestinal inflamatória, cirurgia abdominal prévia, esofagite e distúrbios mentais descontrolados. [14].


6. Complicações

As complicações reportadas nos estudos também têm dados assaz variáveis, o que dificulta enormemente suas interpretações. Dumonceau [14] avaliou 20 estudos e pouco mais de 4200 pacientes, concluindo o seguinte:


6.1 - Complicações menos graves

- Dor abdominal após a primeira semana da cirurgia foi o sintoma mais relatado entre os participantes, estando presente em até 15,9% dos casos;

- Deflação espontânea do dispositivo foi reportado de 3 a 23% dos pacientes em diferentes estudos. Dumonceau atribui os diferentes protocolos de tratamento como causa dessa variação. Em alguns dos estudos, o dispositivo esteve implantado por mais tempo que o devido;

- Úlceras gastroduodenais (geralmente assintomáticas) esteve presente em 0,4% dos pacientes.

- A incidência de esofagite foi particularmente avaliada por Rossi et al. De 121 pacientes que participaram do estudo, a gravidade dessa condição piorou em 18,2% destes [16].

6.2 - Complicações graves

- Três mortes foram relatadas em decorrência ao procedimento (0,07%);

- Obstrução intestinal com necessidade de intervenção médica ocorreu em sete pacientes (0,17%);

- Perfuração gástrica ocorreu em 9 pacientes (0,21%);

- E hipocalemia em 20 (0,47%) deles.

- Remoção precoce do dispositivo ocorreu em 103 pacientes (2,43%);



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