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Emagrecimento e Ganho de Massa Muscular

Um dos maiores desafios relacionado a composição corporal diz respeito ao ganho de massa muscular durante o emagrecimento. Erros grosseiros de raciocínio levam a falsas conclusões, chegando ao ponto de negarem essa possibilidade. Entenda nesse artigo como é possível perder gordura e ganhar massa muscular ao mesmo tempo.


1. Introdução

Antes de mencionar o fator estético, que tem sua importância no debate, eu gostaria de apontar a um problema que assustadoramente tem sido negligenciado e mal combatido: a obesidade sarcopênica. Resumidamente, esse é um estado de saúde que reúne duas das mais graves moléstias da modernidade: o excesso de gordura e a deficiência de massa muscular.


A quantidade de massa muscular é um parâmetro que tem ganhado cada vez mais relevância na área da saúde, influenciando até ao tratamento da obesidade. Diminuição do número de infecções, de internações, de quedas e mortalidade por todas as causas e aumento da qualidade de vida são alguns dos benefícios do ganho de massa muscular à saúde individual. Além disso, grande parte do gasto energético depende da quantidade de massa muscular, por isso, sua redução pode dificultar tanto o emagrecimento quanto, e talvez principalmente, a manutenção da massa gorda perdida.


Os efeitos deletérios do excesso de massa gorda são igualmente significativos: aumento do risco de desenvolver diabetes, de alguns tipos de cânceres, do risco cardiovascular, alterações motoras, dores articulares, doenças mentais, etc.


É trágico olhar para os números dessas condições e torna cada vez mais evidente a necessidade de abordar o assunto sob diversas perspectivas. Nesse artigo, portanto, falarei de como é possível ganhar massa muscular durante o processo de emagrecimento, servindo tanto para o tratamento da obesidade sarcopênica quanto para as pessoas que querem melhorar sua aparência física.


Para responder a essa questão, devemos investigar algo que influencie tanto o processo do emagrecimento quanto o da hipertrofia muscular, um elo, um fator comum entre eles. Vamos começar explorando o processo de emagrecimento!


2. Do emagrecimento

Detalhes relacionados a todo o processo de emagercimento serão abordados em outros artigos. Mas não precisa de muito conhecimento para entender que são inúmeros fatores que estão envolvidos nesse processo. Para citar alguns, temos: os endócrinos, o nível de atividade, os genéticos, o estado de saúde, os mentais, etc. Contudo, um desses fatores é indispensável, ou seja, sem o qual é impossível que haja o emagrecimento: o déficit calórico (DC).


Matematicamente, define-se "déficit" como o resultado negativo de uma diferença de quantidades ou valores. Portanto, quando falamos em "déficit calórico", estamos nos referindo a uma situação onde a energia que consumimos (Valor Energético Total, ou VET) é menor que a energia que gastamos (Gasto Energético Total, ou GET)


Tomemos um exemplo de uma pessoa que tem um GET (quantidade total de energia gasta) diário de 2000 Kcal, e um VET (quantidade total de energia ingerida) diário de 1500 Kcal. Nesse caso, o DC é igual a 500 Kcal (1500 - 2000).


Ora, o VET também é um dos fatores que influenciam a hipertrofia muscular (leia sobre o assunto aqui - recomendo fortemente sua leitura, pois sem o conceito de "compensação dos fatores" é provável que você não tenha total compreensão). Dado que este fator é crucial para o emagrecimento e também influencia o processo de hipertrofia muscular, é aqui que devemos focar nossa atenção para entender se é possível associar os dois processos simultaneamente.




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2. Da Relação entre a Hipertrofia Muscular e o VET

Como discutido no artigo "Fatores que Influenciam a Hipertrofia Muscular", existe uma relação direta entre a quantidade de calorias ofertadas na dieta (VET) e o estímulo hipertrófico; em outras palavras, quanto mais calorias são ingeridas, maior é o estímulo para o crescimento muscular. Isso pode ser ilustrado como se segue:

um gráfico da relação entre o saldo energético e o estímulo hipertrófico

3. É impossível ganhar massa muscular durante o emagrecimento?

Considerando tudo o que foi dito até aqui, um racicínio possível é o seguinte:


Argumento 1:

"A formação (síntese) de poteínas é um processo dependente de energia; o crescimento muscular depende da síntese proteica. Logo, para que haja crescimento muscular deve ser ingerida quantidade de energia acima do GET". Resumindo, a hipertrofia muscular só ocorre em dietas hipercalóricas."


Argumento 2:

"A hipertrofia muscular ocorre apenas em dietas hipercalóricas; o emagrecimento ocorre apenas em dietas hipocalóricas. Logo, É impossível ganhar massa muscular durante o emagrecimento."


Infelizmente, muitos profissionais de áreas envolvidas direta ou indiretamente com a hipertrofia muscular aceitam esses argumentos, não enxergam os erros neles contidos, e, muito menos, sabem refutá-los. É por isso que esses argumentos foram aceitos como verdadeiros por muito tempo. Vamos, então, procurar onde estão os erros desses argumentos.


3.1. "É impossível ganhar massa muscular durante o emagrecimento" - Refutação Lógica

É verdade que a síntese proteica é um processo que depende de energia; assim como é verdade que o crescimento muscular depende da síntese proteica. Mas para dizer que é necessário um superávit calórico para que ocorra a hipertrofia muscular, deve-se desconsiderar a capacidade de compensação relativa dos fatores que influenciam esse processo.


Assim, se um fator, como o VET, está deficiente, ou seja, se o seu estímulo hipertrófico não está no ponto ideal, ele pode ser compensado por outros fatores. Por exemplo, pode-se aumentar a quantidade de proteínas na dieta e usar medicamentos ou suplementos que estimulem a síntese proteica ou aumentem o desempenho no exercício resistido. Isso é precisamente o que ocorre com os fisiculturistas, onde temos o exemplo concreto que é possível ganhar massa muscular mesmo em déficit calórico.


Se existem situações em que há ganho de massa muscular durante o emagrecimento, não se pode afirmar o contrário. A realidade não pode ser refutada, mesmo com a insistente tentativa por parte de alguns. Argumento refutado!


3.2. "É impossível ganhar massa muscular durante o emagrecimento" - Refutação Científica

Apesar do argumento lógico válido apresentado anteriormente, houve um período em que muitos profissionais rejeitaram essa ideia sem refutá-la completamente.


Esse é o tipo de pessoa cuja realidade se resume a números. Enquanto o seu mundo não for matematicamente representado, nada se conclui sobre a realidade. Em 2021, no entanto, Murphy e Koehler publicaram uma meta-análise inclundo vários artigos que avaliaram a relação do VET com o acréscimo de massa magra em resposta ao treino resistido. Segue a conclusão dos autores:

(...) nossos resultados sugerem que a presença de um déficit calórico prejudica o acréscimo de massa magra (...) em resposta ao treino resistido. Além disso, observamos que um déficit calórico de 500 Kcal/d eliminou completamente o acréscimo de massa magra em resposta ao treino resistido (...).

Portanto, com base nesse estudo, o ganho de massa magra é possível, mesmo que prejudicado, em uma dieta com restrição de até 500 Kcal. Dizer que "é impossível ganhar massa muscular durante o emagrecimento" está cientificamente refutado!


4. Como Ganhar Massa Muscular Durante o Emagrecimento

No artigo O Essencial Sobre Hipertrofia Muscular, eu disse que o estímulo mecânico, a resistência (exercício resistido), é um fator necessário para o ganho de massa muscular. Portanto, tudo o que eu disser a partir daqui, estarei levando em consideração que esse estímulo está presente. Afinal, sem a resistência é impossível que haja hipertrofia muscular.


Sabemos, então, que o emagrecimento e o ganho de massa muscular podem ocorrer concomitantemente. A pergunta que vem agora é: como fazer isso, na prática?


Com base no mesmo estudo de Murphy, eu costumo fazer a seguinte apresentação esquemática:

um gráfico sobre a relação entre o saldo energético e o estímulo hipertrófico bom excelente e prejudicado

Dois detalhes importantes deste gráfico devem ser analisados:


- No eixo horizontal, foi colocado "estímulo hipertrófico" ao invés de "hipertrofia muscular". Há uma enorme diferença entre os termos. Qualquer fator que influencia na hipertrofia muscular pode ser classificado em pelo menos três categorias, a saber: excelente, bom e prejudicado. O estudo de Murphy pode nos dar uma ideia dessa categorização quanto ao estímulo que o VET oferece. Nesse caso um DC de 500 Kcal seria como que o limiar.


- Um "estímulo hipertrófico prejudicado" não significa "impossibilidade de haver hipertrofia muscular". Repito: os estímulos podem ser compensados. É possível que um indivíduo saudável praticante de exercícios resistidos com acompanhamento profissional, com boa qualidade na alimentação e sono possa ganhar massa muscular em DC maiores que 500 Kcal.


5. Conclusão

Um sistema de engrenagens não é a melhor imagem para representar o funcionamento do nosso organismo. Pois quando uma engrenagem para de funcionar, todas as outras fazem o mesmo. E o que ocorre conosco é exatamente o oposto. Existem vários mecanismos de compensação em todos os processos que acontecem no nosso corpo, incluindo na hipertrofia muscular.


O efeito compensatório dos fatores que influenciam na hipertrofia muscular possibilita a hipertrofia muscular mesmo em dietas hipocalóricas, ou, em outras palavras, o aumento da massa muscular durante o emagrecimento é viável. Em dietas com restrições leves, aquelas com até 500 Kcal de DC, o próprio organismo consegue compensar a "falta" de energia ofertada pela dieta utilizando a energia do próprio tecido gorduroso; e por esse motivo, geralmente, recomenda-se uma dieta de até 500 Kcal/d de déficit àqueles que precisam emagrecer e ganhar massa muscular ao mesmo tempo.


Uma boa equipe multiprofissional deve ser capaz de avaliar o paciente e estimar o VET ideal, a quantidade proteica, a necessidade de suplementação e/ou medicamentos, as variáveis de treino, etc. para que isso seja possível.








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