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O Que o Natal Nos Ensina Sobre Alimentação?

O Natal se aproxima, e com ele a celebração do nascimento de Cristo, um evento que nos incita a refletir profundamente sobre vários aspectos de nossas vidas, como nossa relação com o corpo e, em particular, sobre o alimento que nos sustenta. Entre as luzes cintilantes, os presentes cuidadosamente escolhidos, as ceias fartas e o convívio familiar, surge um chamado para redescobrir a virtude da temperança e evitar seu vício oposto, a gula. Este ensaio visa explorar a sabedoria que o Natal oferece sobre nossa relação com a comida e a bebida, apresentando a temperança não apenas como uma virtude moral, mas como um caminho essencial para a verdadeira liberdade e para a plenitude espiritual.


A Comida e o Espírito Natalino

Durante as festividades natalinas, é comum encontrarmos mesas fartas, banquetes suntuosos repletos de iguarias que expressam cuidado, hospitalidade e a celebração do convívio familiar. Não há nada de errado em celebrar o Natal com alegria e abundância. Muito pelo contrário, pois, como nos recorda São Paulo em 1 Coríntios 10,31: "quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus". O alimento, neste contexto, transcende a mera nutrição do corpo; torna-se um símbolo de fraternidade, um elo que une as pessoas ao redor da mesa, transformando o ato de alimentar-se em um gesto de comunhão e partilha.


Todavia, ao celebrarmos a fartura, somos igualmente desafiados a evitar os excessos, a buscar um ponto de equilíbrio virtuoso. Neste sentido, o Natal nos ensina sobre a necessidade da temperança — a virtude que nos permite desfrutar dos bens deste mundo sem nos tornarmos escravos deles. Em uma época em que a sociedade nos impele a uma satisfação desmedida, o convite de Cristo é para que cultivemos a moderação e reconheçamos o verdadeiro propósito do alimento: sustentar a vida e promover a comunhão entre os homens. A temperança nos ensina que, embora a comida seja boa, sua bondade não deve ser supervalorizada a ponto de se tornar um fim em si mesma, distorcendo sua natureza e desviando-nos das coisas que realmente importam.


A Virtude da Temperança e o Vício da Gula

Na tradição tomista, a gula é descrita como o desejo desordenado e irracional por comida e bebida, que vai além do ato de comer e beber em excesso, abrangendo também a preocupação exagerada com a refeição, a busca incessante pelo refinamento dos pratos, ou mesmo o ato de comer antes do momento oportuno. Kevin Vost, em Os Sete Pecados Capitais: Um Guia Tomista para Derrotar o Vício e o Pecado, nos ensina que tal desejo desordenado desvia nosso pensamento das coisas mais elevadas, tornando-nos menos capazes de agir com caridade, mais suscetíveis à preguiça e menos dispostos ao sacrifício.


O Natal, por outro lado, nos convida a focar no essencial: a simplicidade da manjedoura em Belém relembra que Cristo, Deus encarnado, escolheu nascer na pobreza e na austeridade, rejeitando as seduções do luxo e do excesso. A escolha de Jesus por nascer em meio à simplicidade e a pobreza é uma poderosa mensagem contra o apego desmedido aos prazeres materiais. Não é por acaso que, ao iniciar sua vida pública, Jesus se retirou ao deserto por quarenta dias, abstendo-se de alimento. Ele fez isso não porque o alimento seja ruim, mas justamente porque é um bem; um bem que, quando mal utilizado, pode se tornar uma fonte de escravidão e desordem. Ao jejuar, Cristo nos ensina a dominar nossos desejos corporais e a evitar a tirania do corpo, como sabiamente advertiu Sêneca: "Terá muitos senhores aquele que fizer de seu corpo seu senhor".


A Temperança como um Caminho de Liberdade

O vício da gula, em suas múltiplas manifestações, representa uma distorção do apetite natural. Quando nos entregamos ao desejo desordenado pela comida, tornamo-nos escravos dos prazeres efêmeros, permitindo que o corpo governe nossas ações e enfraquecendo nossa capacidade de escolher o bem. Não se trata apenas de uma questão fisiológica, mas também de uma questão espiritual: o excesso torna o corpo pesado e letárgico, limitando nossa capacidade de refletir sobre as coisas mais elevadas e nos impedindo de agir com generosidade e prontidão. A temperança, por outro lado, é um caminho de liberdade que nos permite agir com clareza e deliberar de forma consciente.


A temperança não deve ser vista como uma repressão ou castração dos desejos, mas sim como uma virtude que os ordena, dando-lhes o devido lugar. Ela nos ensina a reconhecer que os prazeres do corpo têm seu valor, mas jamais devem ocupar o centro de nossas vidas. Como nos recorda a Carta aos Gálatas (5,22-23), o fruto do Espírito é o domínio de si, e somente aquele que é capaz de dominar seus desejos corporais está realmente livre para viver segundo o Espírito. Temperança não consiste, portanto, em uma proibição arbitrária, mas em uma ordenação racional e virtuosa que conduz à verdadeira alegria e ao verdadeiro bem.


O Natal e a Redenção do Apetite

O Natal também nos ensina sobre a redenção do apetite. Em Filipenses 3,19, São Paulo descreve aqueles cujo "deus é o ventre" — uma clara referência àqueles que vivem para satisfazer seus próprios desejos corporais, ao invés de se orientarem para um bem mais elevado. Ao celebrarmos o Natal, somos convidados a redimir nossos apetites, reconhecendo que o verdadeiro alimento que sacia a alma é Cristo, que se faz presente na simplicidade do pão eucarístico. Assim, ao nos reunirmos ao redor da mesa de Natal, devemos nos lembrar que o verdadeiro banquete é aquele em que não apenas o corpo é nutrido, mas também as relações são fortalecidas, o amor é partilhado, e o coração humano se abre para acolher a presença divina.


A temperança, portanto, nos conduz a uma vivência plena do Natal. Ao controlar nossos apetites, tornamo-nos aptos a experimentar a verdadeira alegria, aquela que não está no excesso, mas na justa medida, na harmonia entre corpo e espírito. Esta é a lição central do Natal: compreender que, assim como Cristo se fez pobre para enriquecer a nossa vida, devemos também renunciar aos excessos para encontrar o verdadeiro sentido do alimento, da vida e da celebração. A virtude da temperança nos ensina a ver a comida não como um fim, mas como um meio para algo maior: a comunhão, a partilha e o amor.


Conclusão

O Natal é um convite à temperança, à redescoberta da moderação como um caminho autêntico de liberdade. Em uma sociedade que frequentemente nos incentiva ao consumo desenfreado, o exemplo da simplicidade de Cristo e a prática da temperança nos lembram que a verdadeira alegria não está na abundância material, mas na capacidade de viver segundo o Espírito, com um coração desapegado e livre. Que este Natal seja um momento de redenção dos nossos apetites, de reencontro com a verdadeira alegria que é partilhar o alimento com aqueles que amamos, conscientes de que é o amor que nos sacia, e não o excesso de comida. Que possamos aprender, com a manjedoura de Belém, a beleza da simplicidade, e que a temperança nos conduza a uma vida virtuosa e verdadeiramente livre.


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