Mpox: Apresentação Clínica, Diagnóstico e Manejo
- Dr. Eduardo Fidelis
- 13 de dez. de 2024
- 6 min de leitura
Uma revisão narrativa sobre a mpox, publicada na JAMA, revela a complexidade inerente à apresentação, diagnóstico e manejo desta zoonose, anteriormente conhecida como monkeypox. No presente artigo, pretendo sintetizar os principais aspectos discutidos na revisão, oferecendo uma visão abrangente das estratégias clínicas e epidemiológicas empregadas para enfrentar as recentes ondas de contágio, reforçando a necessidade de uma abordagem multidimensional e integrada para lidar com a doença.
Contexto do Surto Global
Entre 2022 e 2023, o mundo testemunhou um surto global de mpox causado pelo clado IIb do vírus Monkeypox (MPXV). Este surto resultou em uma emergência de saúde pública de importância internacional (PHEIC), destacando a vulnerabilidade das populações a zoonoses emergentes. A infecção espalhou-se rapidamente, atingindo mais de 118 países, com forte concentração de casos entre homens que fazem sexo com homens, particularmente nos EUA, onde foram relatadas mais de 33.000 infecções. Esse evento evidenciou não apenas a capacidade do vírus de se disseminar para além de suas áreas endêmicas, mas também as falhas estruturais nos sistemas globais de saúde em responder a surtos inesperados.

Embora o vírus seja conhecido desde a década de 1950, a mpox se mantinha confinada principalmente às regiões endêmicas da África Central e Ocidental. A emergência global foi impulsionada pela transmissão predominantemente por contato pele a pele, especialmente em redes sexuais, refletindo uma mudança no comportamento epidemiológico do patógeno. A segunda declaração de PHEIC, emitida em agosto de 2024 devido ao aumento rápido de infecções pelo clado I na África Central, sublinha a persistência da doença como uma ameaça contínua à saúde global. Essa situação evidencia a necessidade urgente de estratégias de prevenção mais eficazes e de uma coordenação internacional reforçada para conter novos surtos e impedir a disseminação do vírus para outras regiões.
Apresentação Clínica e Diagnóstico
A mpox se caracteriza pelo aparecimento de lesões cutâneas que evoluem por quatro estágios bem definidos: máculas, pápulas, vesículas e pústulas. Essas lesões, geralmente dolorosas, são precedidas por sintomas prodrômicos como febre, linfadenopatia, mialgias e mal-estar, e a evolução da doença leva de duas a quatro semanas. Embora tipicamente autolimitada, com uma taxa de mortalidade muito baixa em indivíduos imunocompetentes (<0,2% nos EUA), a mpox pode ser grave em indivíduos imunocomprometidos, especialmente aqueles com HIV em estágio avançado. Nesses pacientes, há um risco elevado de complicações, incluindo infecções secundárias das lesões, pneumonia e encefalite, reforçando a importância de um acompanhamento clínico rigoroso.

O diagnóstico é confirmado através da reação em cadeia da polimerase (PCR) em amostras coletadas das lesões cutâneas. A suspeita clínica deve ser considerada em pacientes que apresentam lesões cutâneas compatíveis, especialmente se houver histórico de contato íntimo com casos conhecidos ou suspeitos. Além disso, a diferenciação de outras infecções dermatológicas, como herpes simples, varicela e sífilis secundária, é fundamental para garantir um tratamento apropriado e prevenir a disseminação desnecessária do vírus. O diagnóstico precoce é essencial para prevenir complicações graves, particularmente em indivíduos com condições de saúde subjacentes que os tornam mais vulneráveis.
Tratamento e Manejo
O manejo da mpox é predominantemente de suporte. Envolve o controle da dor e cuidados com a pele, com o uso de analgésicos comuns, como anti-inflamatórios não esteroidais, e agentes tópicos para alívio das lesões mucosas. Embora ainda não existam antivirais aprovados especificamente para mpox pela FDA, terapias como tecovirimat, brincidofovir e globulina imune contra vaccinia têm sido disponibilizadas por meio de programas de acesso expandido. Tecovirimat, por exemplo, foi amplamente utilizado durante o surto, embora os dados de eficácia sejam mistos. Sua utilidade tem se mostrado mais clara em pacientes com formas graves da doença ou em alto risco de complicações. A globulina imune também tem sido utilizada em casos selecionados, principalmente em pacientes imunocomprometidos, demonstrando algum potencial em reduzir a gravidade dos sintomas.

Além do tratamento medicamentoso, o manejo inclui medidas rigorosas de isolamento dos pacientes até que todas as lesões tenham cicatrizado, com o objetivo de reduzir a transmissão comunitária do vírus. Estratégias de suporte, como hidratação adequada e cuidados com as lesões cutâneas, são essenciais para evitar complicações secundárias, como infecções bacterianas. O alívio dos sintomas de dor e desconforto, que muitas vezes são intensos, é uma parte crucial do cuidado e visa melhorar a qualidade de vida do paciente durante o curso da doença.

Vacinação e Prevenção
A vacinação desempenha um papel crucial na prevenção da mpox. A vacina Modified Vaccinia Ankara-Bavarian Nordic (MVA-BN), administrada em duas doses, apresenta eficácia variável entre 66% e 86% e é recomendada para populações de alto risco, como homens que fazem sexo com homens e outros grupos vulneráveis. Além da vacinação, a prevenção envolve mudanças comportamentais, como a redução do número de parceiros sexuais e da frequência de encontros íntimos, medidas que ajudaram a conter o surto de 2022 antes da vacinação em larga escala. Campanhas de conscientização têm se mostrado eficazes para aumentar a adesão à vacinação e ao diagnóstico precoce, especialmente em áreas urbanas densamente povoadas.

Outro ponto crítico na prevenção é o desenvolvimento de vacinas de fácil acesso para populações de baixa renda. A desigualdade no acesso a recursos médicos e vacinas é um fator significativo que contribui para a disseminação da mpox em diferentes regiões do mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem incentivado a produção e distribuição equitativa de vacinas, buscando garantir que as populações vulneráveis tenham proteção adequada. A vacinação pré-exposição também é fortemente recomendada para profissionais de saúde e pessoas em risco ocupacional, com o objetivo de prevenir infecções nosocomiais e proteger aqueles que estão na linha de frente no combate à doença.
Implicações Globais e a Emergência do Clado I
O recente surgimento do clado I do MPXV na África Central, associado a uma rápida transmissão e a casos graves em crianças e imunocomprometidos, reacendeu preocupações sobre a potencial disseminação da mpox. Esta linhagem, historicamente mais agressiva, apresenta uma taxa de mortalidade significativamente maior em comparação com o clado IIb. Além disso, o aparecimento de um novo subclado, denominado Ib, com capacidade de transmissão sexual, cria um cenário que favorece um possível novo surto global, envolvendo redes sexuais de ambos os gêneros. Essa evolução do vírus demonstra sua capacidade adaptativa, o que exige vigilância constante e ações rápidas das autoridades de saúde para evitar que a doença escape ao controle.
A subnotificação de casos e a desigualdade no acesso a vacinas e tratamentos são obstáculos significativos para o controle efetivo da mpox, especialmente em países de baixa e média renda. A resposta global exige, portanto, não apenas a distribuição equitativa de recursos, mas também uma vigilância epidemiológica eficaz e colaboração entre governos e organizações internacionais para evitar uma nova crise de saúde pública. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas terapias e vacinas são fundamentais para enfrentar a possível emergência de novos clados ou variantes do vírus que possam ter maior resistência aos tratamentos atuais.
Além das implicações de saúde, o impacto socioeconômico da mpox é substancial. Surtos prolongados não apenas pressionam os sistemas de saúde, mas também afetam negativamente a economia local e global, especialmente em comunidades com poucos recursos. A educação e a conscientização pública são cruciais para a prevenção, garantindo que a população esteja bem informada sobre as formas de transmissão e as medidas de proteção. Isso ajuda a reduzir o estigma associado à doença e facilita o acesso ao tratamento.
Conclusão
A mpox continua sendo um desafio significativo para a saúde global, revelando a complexidade das zoonoses e o impacto das mudanças nos padrões de transmissão em um mundo cada vez mais interconectado. Com o fortalecimento da vigilância e a implementação de medidas de controle, como vacinação direcionada e mudanças comportamentais, é possível mitigar os impactos futuros desta doença. No entanto, para que tais medidas sejam eficazes, é essencial que a comunidade internacional mantenha o compromisso com a equidade no acesso a tratamentos e à prevenção, especialmente nos países mais vulneráveis. A mpox não é apenas um fenômeno biológico, mas também um reflexo das desigualdades sociais e de saúde que persistem em todo o mundo.
A cooperação internacional e o compartilhamento de informações científicas são cruciais para o controle efetivo da mpox. A implementação de políticas de saúde pública baseadas em evidências, aliada à educação contínua dos profissionais de saúde, pode contribuir significativamente para a redução da transmissão e para a melhoria dos desfechos clínicos. O fortalecimento dos sistemas de saúde em regiões endêmicas, combinado com esforços globais coordenados, pode ajudar a prevenir que a mpox se torne uma crise sanitária recorrente e assegurar uma resposta mais eficaz a futuras emergências de saúde pública.
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